domingo, 16 de maio de 2010

"ADOPTAR" UM IDOSO

622 euros para 'adoptar' um idoso em Lisboa
por CATARINA CRISTÃO Hoje

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa vai lançar no final do mês uma campanha de acolhimento familiar para pessoas idosas ou adultos com deficiência que vivam sós.
"Às vezes passo dias sem quase falar com ninguém. Troco apenas meia dúzia de palavras no café ou na mercearia, quando vou comprar o pão." José Mendonça, de 72 anos, viúvo desde há cinco, vive num apartamento de três quartos, que outrora acolheu quatro filhos, uma nora e um neto. Agora vive sozinho "naquele casarão", como lhe chama, na zona da Penha de França, em Lisboa.
É a pensar em casos como o de José e de outras pessoas com mais de 65 anos que vivem sós - exis-tem 18 mil só no concelho de Lisboa, um dos mais envelhecidos do País - que a Santa Casa da Misericórdia vai lançar no fim deste mês uma campanha inédita de acolhimento familiar para pessoas idosas ou adultos com deficiência, à semelhança do que já acontece com crianças. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, há 321 mil idosos a morar sozinhos em Portugal. Na maioria, mulheres viúvas.
As famílias que se disponibilizarem a entrar no programa recebem, no mínimo, 622 euros por mês. Isto porque quem acolher um idoso bem de saúde recebe 447 euros, mais 70% da pensão da pessoa acolhida. Situando-se a pensão mínima em Portugal nos 246, a família receberia ainda mais 175 euros (70% da pensão) a somar aos 447. Se as famílias aceitarem receber em casa pessoas com elevado grau de dependência, o valor sobe e a Misericórdia paga 700 euros. A este valor acresce 70% da pensão da pessoa acolhida.
"É uma estratégia de resposta para pessoas com perda de autonomia, em isolamento ou com insuficiente apoio familiar", enumera Anabela Sousa, subdirectora da Acção Social da Santa Casa, que acrescenta que a situação pode ser permanente ou transitória.
O objectivo, esse, é evitar a sua institucionalização. "É preferível incluir um idoso numa família e não numa instituição. No seio familiar terá um acompanhamento mais personalizado, viverá num ambiente mais afectivo e estará mais próximo das rotinas diárias", diz a responsável da Santa Casa.
José Mendonça gostaria de estar entre os idosos referenciados para o programa. "Estão sempre a dizer-me para ir para um lar. Mas não quero. Quem lá entra já não sai", garante. Viver com desconhecidos também não lhe parece um inconveniente. "Se os meus filhos não podem, pode ser que outros não se importem de aturar um velho como eu", desabafa.
Os idosos a "adoptar" já estão referenciados, as famílias de acolhimento é que se candidatam. Com isso, evita-se que aqueles que vivem com familiares idosos queiram recorrer ao projecto para receber dinheiro (ver caixa). Além de se candidatarem, as famílias têm de cumprir requisitos rígidos e aceitar o compromisso de participar em acções de formação contínuas. "Temos de nos certificar de que quem acolhe os idosos são pessoas idóneas, responsáveis, com estabilidade familiar e capacidade afectiva e económica", sublinha Anabela Sousa.
Os candidatos deverão apresentar-se numa das delegações da Santa Casa - Lisboa Norte, Sul, Oriental e Centro Ocidental - e submeter-se a uma entrevista. "Feita a selecção, cabe às equipas de apoio técnico proceder ao cruzamento dos dados e tentar encontrar uma família tão próxima quanto possível da residência da pessoa referenciada", explica Anabela Sousa, acrescentando: "É fundamental que este não perca as suas referências, como os locais que frequenta habitualmente, o café ou as lojas de bairro."
Nesta nova dinâmica familiar, os candidatos terão de saber respeitar a identidade e privacidade do idoso. E "para este, será uma oportunidade de viver em família e em comunidade", sustenta Anabela Sousa, que espera receber muitas can- didaturas: "Procuramos pessoas com sentido de solidariedade e responsabilidade social, sensíveis à problemática do envelhecimento e da deficiência." O apelo será lançado no final do mês em 657 entidades da cidade de Lisboa.

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