Falta sensibilidade para outras culturas na política externa de países ocidentais
Democracia, crimes de guerra, terrorismo: não importa em que âmbito, os países ocidentais são acusados de conduta injusta. O que está em jogo quando se fala de critérios morais na política internacional?
Num ensaio recentemente publicado pelo diário alemão Süddeutsche Zeitung, o escritor egípcio Alaa Al Aswany chamou a atenção para o fato de que quando os governos e a mídia ocidentais falam de democracia no mundo islâmico, o que eles querem, na verdade, é outra coisa.
Por que, pergunta Al Aswany, o Ocidente esteve tão ávido em criticar irregularidades nas eleições iranianas, realizadas há poucos meses, quando ninguém, nos países ocidentais, protesta contra manipulações eleitorais no próprio país? "A resposta é que lamentos por causa da injustiça não promovem a democracia", escreve Al Aswany.
"Esses países tiveram somente a intenção de desacreditar o regime iraniano, que é hostil a Israel e tenta desenvolver armas nucleares. O governo egípcio pode ser despótico e corrupto, mas é complacente e dócil, de forma que a mídia ocidental prefere ignorar suas falhas", observa o escritor.
Hipocrisia ou Realpolitik?
Não é segredo algum que o Ocidente, parafraseando George Orwell, acha algumas democracias mais igualitárias que outras. Trata-se de um exemplo de crassa hipocrisia ou isso simplesmente reflete a Realpolitik das relações internacionais?
"A democracia ocidental é baseada nos valores cristãos humanistas, sem os quais ela não pode ser compreendida", diz Stephan Holthaus, diretor do Instituto de Ética e Valores da Escola Superior de Teologia Livre de Giessen.
Segundo ele, "as chamadas democracias do Oriente Médio são geralmente calcadas em bases diferentes, tendo histórias, culturas e religiões distintas por trás. Usamos os mesmos conceitos, mas falta a compreensão mútua, porque os sistemas de valores básicos são consideravelmente diferentes", acredita Holthaus.
A névoa da guerra
Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: Casa na Faixa de Gaza após ataque: destruição em nome da autodefesa
A democracia é, obviamente, um conceito abstrato, particularmente aberto a diversas definições e interpretações. Regras concretas, como por exemplo aquelas aplicadas à conduta durante uma guerra, deveriam ser de fácil aplicação. Mas são realmente?
As Nações Unidas encarregaram recentemente os autores do relatório Goldstone de investigar acusações de abusos de direitos humanos, supostamente ocorridos durante a incursão militar de Israel na Faixa de Gaza, no início de 2009. O estudo verificou que não apenas a milícia Hamas, mas também as forças militares israelenses foram responsáveis por sérias violações do Direito Internacional, bem como por ataques a civis.
O relatório mal acabara de ser publicado e logo começaram diversas controvérsias e confusões. Os críticos de Israel se agarraram à evidência de que o Ocidente, que costuma fechar os olhos quando o governo israelense comete determinados abusos, condena imediatamente violações cometidas por palestinos.
Defensores de Israel, por outro lado, acusaram o relatório de ter ignorado propositalmente evidências de que os combatentes do Hamas se travestiram de civis e utilizaram instalações civis. Além do fato de Israel ter repetidamente pedido à ONU que interviesse no conflito, para que os ataques de mísseis palestinos a civis israelenses tivessem um fim.
Num artigo publicado pelo diário israelense Haaretz no último mês, um dos principais comentaristas do jornal, Ari Shavit, chegou a argumentar que os EUA deveriam ser considerados culpados pelos crimes de guerra no Iraque e no Afeganistão, caso fossem julgados a partir dos mesmos padrões usados pelo relatório Goldstone para avaliar a conduta de Israel.
O Ocidente, enfim, pode e deve ser absolutamente rigoroso em relação ao que é e ao que não é um crime de guerra? "Aqui também as diferenças culturais exercem um papel importantíssimo", diz Holthaus. "O que uma pessoa considera um crime de guerra é para outra um ato puro e legítimo de autodefesa. Precisamos de uma ética comum, aplicável a todas as culturas. A questão decisiva não é quem está certo, mas sim como criar uma paz e uma reconciliação duradouras", diz o especialista.
Enredados em terrorismo
Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: Guerra na Geórgia: desequilíbrio de forçasAs Nações Unidas encarregaram recentemente os autores do relatório Goldstone de investigar acusações de abusos de direitos humanos, supostamente ocorridos durante a incursão militar de Israel na Faixa de Gaza, no início de 2009. O estudo verificou que não apenas a milícia Hamas, mas também as forças militares israelenses foram responsáveis por sérias violações do Direito Internacional, bem como por ataques a civis.
O relatório mal acabara de ser publicado e logo começaram diversas controvérsias e confusões. Os críticos de Israel se agarraram à evidência de que o Ocidente, que costuma fechar os olhos quando o governo israelense comete determinados abusos, condena imediatamente violações cometidas por palestinos.
Defensores de Israel, por outro lado, acusaram o relatório de ter ignorado propositalmente evidências de que os combatentes do Hamas se travestiram de civis e utilizaram instalações civis. Além do fato de Israel ter repetidamente pedido à ONU que interviesse no conflito, para que os ataques de mísseis palestinos a civis israelenses tivessem um fim.
Num artigo publicado pelo diário israelense Haaretz no último mês, um dos principais comentaristas do jornal, Ari Shavit, chegou a argumentar que os EUA deveriam ser considerados culpados pelos crimes de guerra no Iraque e no Afeganistão, caso fossem julgados a partir dos mesmos padrões usados pelo relatório Goldstone para avaliar a conduta de Israel.
O Ocidente, enfim, pode e deve ser absolutamente rigoroso em relação ao que é e ao que não é um crime de guerra? "Aqui também as diferenças culturais exercem um papel importantíssimo", diz Holthaus. "O que uma pessoa considera um crime de guerra é para outra um ato puro e legítimo de autodefesa. Precisamos de uma ética comum, aplicável a todas as culturas. A questão decisiva não é quem está certo, mas sim como criar uma paz e uma reconciliação duradouras", diz o especialista.
Enredados em terrorismo
Pelo menos no que diz respeito ao desequilíbrio de forças entre os combatentes, o conflito entre a Rússia e a Geórgia, no último ano, pode ser coparado à campanha de Israel contra o Hamas. No momento do conflito com a Geórgia, os líderes ocidentais condenaram de imediato Moscou pelo uso excessivo da força.
Por outro lado, ingoraram completamente a campanha sangrenta do Kremlin contra os separatistas da Tchetchênia, considerada um problema de ordem interna russa, sob o argumento de que o país precisava combater o terrorismo. Uma situação comparável à batalha do Sri Lanka contra os rebeldes Tigres Tamis.
Além disso, sob o governo do ex-presidente George W. Bush, os próprios EUA fizeram uso de práticas que seriam consideradas por muita gente tortura contra o inimigo. Sendo assim, combater o terrorismo é uma espécie de coringa moral, que permite passar por cima dos limites habituais da ética?
"Distinguimos entre ética, que é atemporal, e moral, que é muito temporal. As convicções básicas têm que ser adaptadas a situações concretas, mas valores primários como liberdade, igualidade e solidariedade nunca deveriam ser subvertidos, nem mesmo em nome da aparente nobre causa do combate ao terrorismo", afirma Holthaus.
Idealismo prático
Diante das talvez irreconciliáveis ambiguidades morais que permeiam todos os principais conflitos no mundo, uma possível resposta do Ocidente poderia ser a de eliminar todas as preocupações éticas da política externa.
Em outras palavras, os países ocidentais poderiam declarar que somente os resultados e não os padrões de justiça e igualdade seriam a meta na conduta em relação a outros países e culturas, admitindo um tratamento diferenciado de aliados que daqueles considerados inimigos.
Alguns filósofos costumam se referir a essa perspectiva como "realista", outros preferem chamá-la de "idealismo prático". Sob este ponto de vista, os padrões éticos são de grande interesse para nações isoladas quando estas incentivam concretamente metas como a paz e a estabilidade. E estes padrões têm uma longa, mesmo que esquecida história.
"Precisamos de políticos que representem um ponto de vista ético claro, com um alto nível de sensibilidade para outras culturas", analisa Holthaus. "Mas muitos políticos no mundo ocidental nem ao menos conhecem suas próprias raízes éticas. Deveríamos fazer nossa tarefa de casa antes de confrontar outras culturas com nossos valores. Vale a pena lembrar os valores respeitáveis do mundo ocidental", conclui Holthaus.
Talvez a chave não seja a rigidez ética, mas sim a consciência e a habilidade em comunicar a complexa gama de valores, que implicam responsabilidades diferentes em situações morais aparentemente similares.
Por outro lado, ingoraram completamente a campanha sangrenta do Kremlin contra os separatistas da Tchetchênia, considerada um problema de ordem interna russa, sob o argumento de que o país precisava combater o terrorismo. Uma situação comparável à batalha do Sri Lanka contra os rebeldes Tigres Tamis.
Além disso, sob o governo do ex-presidente George W. Bush, os próprios EUA fizeram uso de práticas que seriam consideradas por muita gente tortura contra o inimigo. Sendo assim, combater o terrorismo é uma espécie de coringa moral, que permite passar por cima dos limites habituais da ética?
"Distinguimos entre ética, que é atemporal, e moral, que é muito temporal. As convicções básicas têm que ser adaptadas a situações concretas, mas valores primários como liberdade, igualidade e solidariedade nunca deveriam ser subvertidos, nem mesmo em nome da aparente nobre causa do combate ao terrorismo", afirma Holthaus.
Idealismo prático
Diante das talvez irreconciliáveis ambiguidades morais que permeiam todos os principais conflitos no mundo, uma possível resposta do Ocidente poderia ser a de eliminar todas as preocupações éticas da política externa.
Em outras palavras, os países ocidentais poderiam declarar que somente os resultados e não os padrões de justiça e igualdade seriam a meta na conduta em relação a outros países e culturas, admitindo um tratamento diferenciado de aliados que daqueles considerados inimigos.
Alguns filósofos costumam se referir a essa perspectiva como "realista", outros preferem chamá-la de "idealismo prático". Sob este ponto de vista, os padrões éticos são de grande interesse para nações isoladas quando estas incentivam concretamente metas como a paz e a estabilidade. E estes padrões têm uma longa, mesmo que esquecida história.
"Precisamos de políticos que representem um ponto de vista ético claro, com um alto nível de sensibilidade para outras culturas", analisa Holthaus. "Mas muitos políticos no mundo ocidental nem ao menos conhecem suas próprias raízes éticas. Deveríamos fazer nossa tarefa de casa antes de confrontar outras culturas com nossos valores. Vale a pena lembrar os valores respeitáveis do mundo ocidental", conclui Holthaus.
Talvez a chave não seja a rigidez ética, mas sim a consciência e a habilidade em comunicar a complexa gama de valores, que implicam responsabilidades diferentes em situações morais aparentemente similares.
FONTE:
DW-WORLD.DE (DEUTSCHE WELLE) - ALEMANHA
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