quinta-feira, 19 de agosto de 2010

PAQUISTÃO

Primeiro a palavra de Deus, depois um prato de arroz
Data de publicação : 19 Agosto 2010 - 2:22pm
Os paquistaneses vítimas das enchentes continuam precisando de ajuda básica como alimentos e remédios. No entanto, nos lugares mais afastados, onde a ajuda do governo não chega, organizações religiosas extremistas estão ativas. Isso acontece em Layyahh, que fica a cerca de 7 horas de viagem da capital Islamabad.
Enquanto o dia amanhece, quatro homens estão encurvados sobre grandes panelas. Eles estão lavando arroz. Mais tarde, chega Qari Atta ur Rehman, coordenador da fundação Falah Insaniat, de ajuda humanitária. Do outro lado, os colegas dele colocam remédios em uma mesa. Assim, o serviço médico está aberto.
Eles também armam uma barraca para servir refeições. Aqui as vítimas das enchentes são ajudadas. Mais pra frente está também a barraca médica do governo. De resto não há mais nada ou ninguém que ajude. “Nossos voluntários já estavam aqui logo no primeiro dia. Eles viram o que precisava ser feito e depois procuramos um lugar para armar as barracas”, diz Rehman.
Ajuda
Por volta do meio dia, a barraca-refeitório está repleta de paquistaneses. Todos homens. Eles precisam esperar até que a barraca esteja totalmente cheia. Eles se sentam em tapetes em grupos de cinco pessoas. Quando todos se acomodam, um dos voluntários começa a pregar: “com qual mão se come?”, pergunta enquanto mostra a mão direita. Alguns seguem o exemplo dado por ele. “E o que se diz quando se vai comer? Bismillah, em nome de Deus”, diz ele enquanto o grupo repete em murmuros o que ele acabou de falar.
Finalmente os homens recebem arroz cozido. E se concentram em comer. Um prato de arroz é dividido entre cinco pessoas, que se servem com a mão. Um idoso conta que a enchente arrastou sua casa. Ele conseguiu fugir junto com sua família. “Nos salvamos e viemos para cá”, diz ele. Quando a comida acaba, a barraca se esvazia. Do lado de fora, uma nova fila de famintos aguarda para poder entrar.
Os assistentes sociais fazem parte do Jamaat-ud-Dawa, o setor do bem estar da organização extremista Lashkar-e-Toiba, explica o ex-general Talat Masood. “Basicamente, é o Jamaat-ud-Dawa e um ou dois outros que sempre tentaram ajudar ou que estavam na dianteira quando algo como isso acontece”.
A Lashkar-e-Toiba foi fundada para lutar contra o exército da Índia na Caxemira, provavelmente com a ajuda do serviço secreto paquistanês. Nesse meio tempo, há uma ligação estabelecida entre essa organização e o Talibã nos ataques terroristas à cidade de Mumbai, em novembro de 2008.
O coordenador dos voluntário Rehman diz não possuir nenhuma ligação com o Lashkar-e-Toiba, mas sim com a Jamaat-ud-Dawa, de ajuda humanitária. “Eles são nossos principais doadores. Eles nos dão caminhões cheios de açúcar e arroz. Nós recebemos muito apoio de muitas outras pessoas, mas a maior ajuda vem do Jamaat-ud-Dawa”.
Depois de rezar, Rehman e seu time levam grandes tachos com arroz para as pessoas que estão em um dique, esperando que a água abaixe para procurar se sobrou algo de seus pertences. Só se pode chegar ao dique por barco porque a estrada tornou-se um rio.
Conselho
Aqui, os voluntários também repartem a comida com um conselho, como eles o chamam. “Precisamos pedir perdão à Deus porque tratamos mal o nosso próximo. Fizemos ele sofrer. Não respeitamos o direito de nosso próximo. Por isso esse desastre nos foi enviado.”
Um idoso que está na frente da fila espera impacientemente até que a pregação se acabe. Para muitos, como ele, esta é a única refeição que verá no dia.
“Conhecemos o trabalho dessa organização, que se chama Lashkar-e-Taiba, há muito tempo”, diz um dos que estão no dique. “Eles tomam a dor do outro como se fosse a própria dor. Outros voluntários aderem a organização onde eles atuam, por admirarem a ajuda que é prestada.
O ex-general Masood vê o sucesso dos extremistas onde não há atuação do governo. “Onde há boas escolas, o povo não vai para as escolas islâmicas. E é só nessas áreas remotas onde não há escolas em número suficiente. Eles tem de ir pra algum canto. E eles também possuem orfanatos e atuam com uma espécie de apoio aos mais pobres. Quase tudo é de graça”. Agora há uma disputa entre o Estado, os muçulmanos extremistas e outras organizações de ajuda humanitária nas áreas atingidas pelas chuvas.
Já é quase meia noite e Rehman e seus colegas partem novamente com um barquinho. “Amanhã meus colegas estão aqui. Eu vou para a próxima vila”, diz ele, satisfeito.

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