segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Os negócios

que dispararam com a Gripe A

Por Romana Borja-Santos

Em ano de crise, muitas empresas viram a primeira pandemia do século XXI como oportunidade de negócio. Portugal não é excepção

As estrelas do Verão este ano tiveram menos protagonismo nas montras das farmácias. Parte das soluções rápidas para emagrecer, dos cremes protectores e dos autobronzeadores teve de resignar-se com os expositores interiores e os que resistiram passaram a conviver lado a lado com gel desinfectante, máscaras, toalhetes anti-sépticos e bactericidas que antes apareciam apenas nas séries de médicos. Uma súbita obsessão com a higiene? Nada disso. A primeira pandemia do século XXI - a gripe A (H1N1) - trouxe uma oportunidade de negócio única num ano de crise económica.

Um contexto que as empresas souberam capitalizar. Até porque as grandes compras não foram centralizadas e cada escola, empresa ou serviço público acabou por tentar arranjar sozinho a melhor solução. Mas há excepções: em Guimarães, a Secundária Francisco de Holanda juntou-se às outras escolas secundárias do concelho para tentar negociar um preço mais baixo com os fornecedores.

Do lado dos particulares, as compras também tiveram aumentos astronómicos no número de embalagens e no valor - sendo que este último registou subidas mais significativas. As vendas de desinfectantes para mãos nas farmácias - o produto mais procurado - cresceram cerca de 280 por cento entre Agosto de 2007 e Julho de 2008 (24.923 embalagens) e Agosto de 2008 e Julho deste ano (95.838). Em euros, isto corresponde a um aumento de quase 70 mil euros para mais de 435 mil, isto é, de cerca de 520 por cento, segundo dados fornecidos ao PÚBLICO pela consultora IMS Health Portugal.

Se em 2009 olharmos para as vendas mês a mês, percebemos que há um claro aumento em Julho. Em média, de Janeiro a Junho, foram vendidas 3200 embalagens por mês. Em Julho, o número passou para 45.000 (mais 1300 por cento). Isto traduziu-se numa passagem de uma venda média de cerca de 12.000 euros para 277.000 (mais de 2200 por cento).

"Procura descontrolada"

As escolas, empresas e o Estado são os principais clientes da Exaclean, a empresa que comercializa o gel Purell, um dos mais vendidos. Pedro Rodrigues, director comercial, explicou ao PÚBLICO que desde meados de Junho sofreram uma "procura descontrolada" que se traduziu num aumento de 500 por cento nos lucros. E o que distingue a Exaclean das outras? Para Pedro Rodrigues, é o facto de os seus desinfectantes virem em embalagens invioláveis e terem um sensor que faz com que lancem uma pequena quantidade de gel ou espuma sem ser preciso tocar-lhes. Outra oferta que ganhou relevo foi o "ponto de desinfecção móvel" que pode ser colocado em qualquer zona.

As empresas que comercializam fatos protectores e máscaras dizem não sentir tanto este efeito explosivo, apesar de estas últimas terem aumentos de 120 por cento. A portuguesa Vifato fala em lucros de cerca de mais dez por cento, o que, para o gestor João Gomes, se justifica por serem produtos mais caros e que não são procurados pelo grande público: "Há quem nos procure, nomeadamente autarquias, para comprar fatos para riscos biológicos. Mas isso é um exagero e somos nós próprios a desaconselhar".

Do lado das consultoras, os planos de contingência também encontraram terreno virgem, mas 66 por cento das pequenas e médias empresas ainda não têm nenhum. Segundo disse ao PÚBLICO Fernando Lopes Chaves, da Marsh, "a procura intensificou-se a partir de Julho", sendo que o negócio deu os primeiros passos em 2006 com a ameaça do H5N1. "A contribuição da Marsh começa na elaboração, de raiz, do plano de contingência de uma empresa, até ao fornecimento das directrizes e documentação, à adaptação de um plano já existente à situação específica da gripe A", explicou. Sobre os custos, assevera: "São sempre inferiores àqueles que a empresa poderá ter se não estiver preparada".

Também a consultora Mercer admite um grande aumento da procura, estando a centrar os seus planos na "garantia de segurança dos colaboradores mediante a definição e implementação de procedimentos de higienização e protecção individual", afirmou Isabel Martins.

Os particulares também parecem estar a aderir aos novos hábitos e os hipermercados readaptaram-se. Em quase todos é possível encontrar prateleiras que centralizam gel e outros produtos desinfectantes em modelos que vão desde do tamanho de bolso a versões quase industriais. A Renova, por exemplo, criou várias embalagens de gel desinfectante mas outros produtos que já existiam como toalhetes com álcool com aroma de alfazema sofreram um grande impulso, como disse ao PÚBLICO Luís Saramago, director de marketing. Sobre o futuro, acredita que muitos hábitos vieram para ficar.

Lucros das farmacêuticas

Primeiro foram os antivirais Tamiflu, da Roche, e Relenza, da GlaxoSmithKline, a dar um impulso. Depois a pandemia ganhou força e, perante alguns casos de resistência aos medicamentos, passou-se a falar numa nova vacina, que poderá render 1700 milhões de euros a cada produtor. Num ano de grave crise, os laboratórios não podiam ter tido uma ajuda maior para reanimar as cotações na bolsa. Desde 1 de Abril até final de Setembro, o crescimento da Roche e da GlaxoSmithKline - ambas produtoras de antivirais e esta última também da vacina encomendada por Portugal - não parou. Apesar de os analistas questionarem esta prosperidade, as acções da Roche subiram 19 por cento e as da GlaxoSmithKline 27 por cento. Já a Novartis, produtora da outra vacina aprovada na União Europeia, subiu 32 por cento.

Outros privilegiados

As vacinas para a gripe sazonal não são eficazes na gripe A, mas este ano há mais gente a procurá-las por medo de confundirem os sintomas de ambas. Só na primeira semana, entre 15 e 20 de Setembro, as farmácias já administraram mais de um terço das vacinas, num total de quase 420 mil doses - um número superior ao registado em 2008, segundo dados na Associação Nacional de Farmácias. Isto numa altura em que o último balanço do Ministério da Saúde aponta para 1530 novos casos de gripe A na semana entre 21 e 27 de Setembro.

Da mesma forma, numa ronda que o PÚBLICO fez, várias farmácias e lojas de produtos naturais admitem que há outros beneficiários da gripe A: produtos com vitamina C ou que reforçam o sistema imunitário, assim como analgésicos e antipiréticos. E nem as vacinas para doenças do foro respiratório escaparam. Há até quem tenha procurado botas de cirurgião para calçar à porta de casa não se vá dar o caso de o vírus vir nos sapatos e deitar por terra todos os esforços para manter o H1N1 bem longe de casa.

FONTE:

PÚBLICO

http://jornal.publico.clix.pt/noticia/05-10-2009/alguns-numeros-17955923.htm

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