quinta-feira, 29 de setembro de 2011

DOENÇAS NÃO CONTAGIOSAS

Doenças não contagiosas se alastram pela África
Com sistemas de saúde elaborados para conter epidemias, países pobres registram cada vez mais casos de câncer e diabetes
29/09/2011
Países em desenvolvimento já registram mais de 80% das doenças crônicas no mundo
O Instituto do Câncer de Uganda fica no alto de uma montanha, com uma vista privilegiada da capital, Kampala. Mas a maioria de seus pacientes está doente demais para ficar de pé. Eles gastaram as economias de toda uma vida em busca de uma cura, mas a maioria morre semanas após a internação. “Eles chegam tarde demais”, diz Jackson Orem, diretor da clínica.
96% dos ugandenses que morrem de câncer nunca são atendidos por um oncologista. O sistema de saúde do país foi elaborado para combater doenças infecciosas: os vizinhos do Instituto são pacientes de uma unidade para tuberculosos. Doenças como o câncer, a diabetes, e problemas cardíacos e respiratórios não são tratados como prioridades. O instituto do Dr. Orem tem a única unidade dedicada ao câncer para os 34 milhões de habitantes do país. Problemas renais (decorrentes da diabetes) são uma sentença de morte. Uganda tem apenas sete aparelhos de hemodiálise, e o transplante mais barato (na Índia) custa US$ 40 mil.
Houve um tempo no qual a população dos países pobres era muito faminta e trabalhadora para ser obesa, não tinha dinheiro para comprar cigarros, e a vasta maioria morria antes que os problemas da terceira idade surgissem. Doenças não-transmissíveis eram problemas dos países ricos. Esse tempo passou. Países em desenvolvimento já registram mais de 80% das doenças crônicas no mundo, e esse número ainda crescerá. Na Índia, 20% das crianças sofrem de desnutrição, ainda assim a obesidade vem se alastrando. O líder do principal partido de oposição, Nitin Gadkari, foi a mais recente figura pública a se submeter a uma redução de estômago.
Doenças velhas e novas se completam. Diabéticos têm três vezes mais chances de contrair tuberculose. O linfoma de Burkitt, um câncer comum na África Equatorial, está ligado à malária. Pacientes com HIV em tratamento antiretroviral têm um risco maior de desenvolver diabetes e câncer. Dois terços dos pacientes do Dr. Orem em Uganda também são portadores do HIV. “Nenhum dos recursos do combate ao HIV foi para o combate ao câncer – um erro muito grave”, diz ele. Julio Frenk, decano da Escola de Saúde Pública de Harvard, realça a contradição entre os gastos de milhares de dólares em cada paciente com AIDS, e o total abandono dos pacientes com diabetes.
A Organização Mundial de Saúde espera que as mortes por doenças não-transmissíveis aumentem em 15% entre 2010 e 2020, com picos de 20% na África e no Sudeste Asiático. O número de chineses com diabetes deve dobrar até 2025. Mesmo na África Subsaariana, doenças crônicas devem ultrapassar doenças infecciosas maternais e infantis até 2030. A maioria deles é oriunda do consumo de açúcar, gordura, nicotina, além de estilos de vida sedentários. Mas as doenças também incluem a anemia falciforme, uma doença sanguínea que é a principal responsável pela morte de crianças no continente. Seu tratamento é simples, mas ela raramente é diagnosticada.
Os países atingidos estão terrivelmente despreparados. Seus sistemas de saúde são elaborados para epidemias, até porque é para controlá-las que países estrangeiros fazem tantas doações. Menos de 3% da ajuda para a saúde vai para doenças crônicas. Muitos pacientes sem planos de saúde adiam o tratamento até que seja tarde demais. Muitas das drogas necessárias não são mais protegidas por patentes, mas altas tarifas, uma distribuição ruim e aumentos, os tornam raros e caros. As exigências sobre as autoridades do setor de saúde também são cada vez maiores. A vacina certa pode proteger uma criança para sempre, mas doenças crônicas podem exigir medicamentos por toda a vida. Uma das principais causas da diabetes são as dietas pouco saudáveis – mas isso surge de uma complexa sobreposição entre a química cerebral e as praticas da indústria alimentícia. Mesmo os países ricos têm dificuldades para mudar esse cenário.
Os esforços mais duradouros serão aqueles que garantam a saúde e também prosperem financeiramente. Na Índia, o centro de diabetes do Dr. Mohan, cobra dos pacientes de classe media para garantir atendimento aos mais pobres. A Eli Lilly, uma gigante farmacêutica norte-americana, está testando modelos para o tratamento da diabete em países como a índia, a África do Sul e o Brasil. “Ajude agora, lucre depois”, diz a empresa. A Novo Nordisk, maior produtora de insulina do planeta, é especialmente ambiciosa. Na China, a empresa treinou médicos e promoveu educação sobre a diabete, e no ano passado dominava 63% do mercado de insulina do país. Agora, Lars Rebien Sorensen, o executivo-chefe do laboratório, quer reproduzir o programa na Indonésia, na Malásia e no Vietnã. Doenças crônicas já representam uma enorme porção do mercado, e, infelizmente, essa porção está aumentando.

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