Flertando com Deus: religião sem crença?
Data de publicação : 18 Maio 2011 - 12:52pm
Por Michel Hoebink (RNW)
A Holanda é pioneira numa nova tendência religiosa: a religião sem crença, argumenta o estudioso holandês Koert van der Velde numa dissertação deverá defender esta semana.
"Para muitas pessoas a religião tradicional foi desmascarada pela ciência", afirma Koert van der Velde. "Muitas vezes, porém, vê-se que essas mesmas pessoas continuam a praticar a religião de uma forma ou outra, tais como na astrologia, na terapia de vidas passadas, nos treinamentos espirituais no mundo dos negócios, ou simplesmente cantando a ‘Paixão Segundo São Mateus’. Quando questionados, no entanto, os que exercem essas práticas negam acreditar nas subjacentes premissas religiosas."
Como jornalista especializado em temas teológicos, Van der Velde contou a centenas de pessoas sobre suas experiências religiosas. Alguns disseram sentir uma presença divina por trás das coincidências em sua vida, outros tiveram uma experiência de quase-morte, viram aparições fantasmagóricas, ou UFOs, ou ainda se sentem ‘unidos com a natureza’ ao entardecer. A riqueza de dados recolhidos por ele o convenceu de que havia descoberto um novo fenômeno ainda não estudado.
Em apuros
"As pessoas sentem um desejo profundamente enraizado de viver experiências religiosas", diz Van der Velde. "A conexão com um outro mundo, além da sua percepção sensorial normal, um mundo metafísico, dá sentido às suas vidas."
Nos últimos dois séculos, o homem religioso tem estado em apuros: por mais que ele queira, já não pode satisfazer suas necessidades religiosas. O progresso da ciência desencanta o mundo, tornando difícil continuar a acreditar nos ensinamentos da religião tradicional. "Tome Darwin, por exemplo, que demonstrou que o mundo não foi criado em sete dias, mas desenvolveu-se gradualmente, sem necessidade de intervenção divina. Desta forma, a ciência desmascarou uma base de pressupostos religiosos atrás da outra."
Promessa sem garantia
Como resultado deste dilema, tem surgido uma nova forma de religião, que Van der Velde define como “religião sem crença”. "Muitas pessoas não acreditam mais nos pressupostos religiosos tradicionais, mas por vezes agem como se eles de fato existissem e acabam tendo uma experiência religiosa." Van der Velde encontrou numerosos exemplos desta nova postura. Ele menciona a viúva de um escritor holandês, que afirmou na televisão que, embora não acredite em Deus, reza para ele desde que seu marido morreu, e um folheto sobre um grupo de terapia da reencarnação que afirma: ‘Funciona, mesmo que você não acredite’.
O título da dissertação de Van der Velde, ‘Flertando com Deus’, segue uma ideia do escritor tcheco Milan Kundera, que define um flerte como uma “promessa sem garantia”. Mostra-se a alguém que se gosta dele ou dela, sem qualquer forma de compromisso. Essa é a maneira como muitas pessoas hoje em dia lidam com a religião. Van der Velde diz: "Não conhecemos todos a alguém que fala interminavelmente sobre astrologia, explicando todo o mundo por meio dela? Mas se você perguntar se ele realmente acredita nisso tudo, seguramente dirá: ‘Claro que não, não passa de um passatempo’.”
Livre para experimentar
Os teólogos modernos tentam resgatar a crença religiosa descartando imagens e ideias que não passam no teste da ciência moderna. Mas Van der Velde opina que estão buscando soluções no lugar errado. "O resultado de seus esforços é um universo religioso estéril, presentemente incapaz de gerar experiências religiosas, o que justamente constitui o cerne da religião. O público religioso moderno que eu descrevo está fazendo exatamente o oposto: eles mantêm a imagética religiosa e descartam as crenças e convicções.”
De acordo com Van der Velde, a Holanda assume a liderança nesta nova tendência religiosa. "A Holanda sempre foi um país formador de opinião no que diz respeito à religião. Atualmente, a Holanda é um dos países mais secularizados do mundo. Mas isso também faz com que seja um país onde as pessoas se sintam livres para experimentar novas formas de religião.”
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