sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Mundo cão

Tendências e debates
Mundo cão
A vida humana parece valer cada vez menos, mas os crimes contra animais despertam a sensibilidade - e a brutalidade - dos internautas.
Por Felipe Varne
23/12/2011
Morte de yorkshire desencadeou a ira coletiva na internet (Reprodução/Internet)
Quanto mais conheço os homens, mais amo meus cães
Charles de Gaulle
As imagens da enfermeira Camila Correa de Moura, que espancou até a morte um pequeno cão da raça yorkshire, ganharam as páginas dos jornais e geraram uma enorme onda de protestos em redes sociais como o Twitter e o Facebook. Se dizendo arrependida, Camila se apresentou à polícia de Formosa, em Goiás, e foi condenada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) a pagar uma multa de R$ 3 mil. Também no início do mês, três moradores de rua foram assassinados a marretadas no centro de Campinas. O caso passou praticamente despercebido, sem qualquer espécie de mobilização popular para que os assassinos fossem punidos.
Seria possível argumentar que as imagens do crime de Camila, registradas pela vizinha da enfermeira, tenham sido determinantes para que o brutal espancamento da cadela Lana tenha despertado a ira de tantos internautas por todo o país, ao passo que o crime contra os moradores de rua não foi gravado. Mas mesmo antes do episódio de Formosa, as denúncias de maus tratos a animais já vinham se tornando frequentes nas redes sociais, enquanto as preocupações com os seres humanos não costumam causar tamanha comoção.
A reação dos internautas brasileiros ao crime de Camila tomou rumos perigosos quando dados da enfermeira foram divulgados na internet. A lista incluía seu CPF, seu endereço, e o nome de seus pais. Em uma entrevista concedida a uma rede de TV na delegacia, Camila afirmou que sua família vinha sofrendo ameaças. É claro que frases escritas aleatoriamente na internet não podem ser levadas a sério (e a própria natureza da internet, somada à ira coletiva, gera as mais escabrosas declarações de vingança – as mais suaves sugeriam que Camila fosse trancada numa jaula com cães famintos da raça pitbull), mas não é preciso muito esforço para que, ao ver a divulgação de informações como essa, venham à mente lembranças das fatwas islâmicas, como a que obrigou o escritor indiano Salman Rushdie a passar anos vivendo sob proteção policial depois da publicação de seu romance, Os Versos Satânicos. A comparação pode parecer exagerada, mas no fundo, só é preciso um único maluco do outro lado do monitor para que tudo termine numa tragédia muito maior.
A morte da yorkshire Lana também deu novas forças a uma antiga campanha nas redes sociais que pede a criação de delegacias especializadas na proteção animal em estados como a Bahia, São Paulo e o Rio de Janeiro. Embora os maus tratos a animais domésticos devam ser combatidos, novamente somos obrigados a nos perguntar se a defesa dos cães, gatos e outros animais deve mesmo ser uma prioridade numa sociedade que trata os mendigos e suas caixas cranianas arrebentadas por golpes de marreta como parte da paisagem.

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