ÁFRICA
16/07/2012 - 11h24 | Roberto Almeida
| Londres
Londres é acusada de ter permitido o linchamento,
castração e estupro de quenianos ligados à revolta Mau Mau
O governo britânico vai a julgamento a partir dsta segunda-feira (16/07), em
Londres, pela repressão violenta à revolta Mau Mau, que resultou em milhares de
mortes no Quênia, sua então colônia, entre 1952 e 1960. O exército do Reino
Unido teria sujeitado quenianos ligados ao grupo pró-independência a
linchamentos, castrações e estupros, além de confiscar bens e propriedades.
Efe
Cameron recebeu carta do arcebispo sul-africano Desmond
Tutu pedindo reparação aos envolvidos na revolta Mau Mau
O
processo, movido por quatro quenianos, é amparado por documentos de um arquivo
que foi mantido em sigilo em Londres durante cinco décadas, até ser revelado
pelo jornal The Times no ano passado. A série de reportagens, baseada
nos achados do arquivo, mostrou em detalhes a operação para abafar a violência
colonial no Quênia e atiçou os ânimos de ativistas de direitos humanos.
O
arcebispo Desmond Tutu, ganhador do Nobel da Paz por sua luta anti-apartheid na
África do Sul, saiu em defesa dos quenianos após tomar conhecimento do arquivo.
Tutu escreveu há seis meses uma carta direcionada ao primeiro-ministro David
Cameron, do Partido Conservador, para que os danos sejam reparados.
“Que
mensagem o governo britânico manda para os países africanos que agem com
impunidade ao tentar obstruir essas alegações de tortura? Como considerar isso
outra coisa senão um ‘faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço’, com sua
inevitável hipocrisia?”, afirmou o arcebispo. A carta até hoje não foi
respondida.
Sobreviventes no tribunal
Paulo
Nzili, de 85 anos, ex-membro do grupo étnico Kamba, será um dos que irá prestar
depoimento. Ele afirma ter sido espancado e castrado pelo exército britânico
durante a revolta Mau Mau. Outros dois octogenários também prestarão depoimento.
Uma quarta testemunha original do processo morreu antes de ir à Corte.
Martyn Day, advogado dos quenianos, disse hoje que o que aconteceu no país
africano é uma “história aterrorizante”. “Ela é, no entanto, precisa ser contada
porque nós, britânicos, precisamos aprender com o passado”, continuou. “Se nossa
causa tiver sucesso ela valerá muito dinheiro, mas o que esses idosos quenianos
querem é um pedido de desculpas”, sublinhou.
O governo britânico
inicialmente tentou bloquear o processo. Em recurso apresentado à Justiça,
afirmou que o caso deveria ser de responsabilidade do governo queniano. Não
obteve sucesso. “Desde o início, eles (os quenianos) ofereceram ao governo
britânico uma maneira de resolver o caso, mas até agora a porta foi fechada na
cara deles”, afirmou Day.
A revolta Mau Mau
O
Quênia, hoje um país de 43 milhões de habitantes, ficou sob domínio britânico de
1888 a 1963. Durante a década de 1950, período pós-guerra, o grupo étnico
Kikuyu, com cerca de um milhão de membros, entrou em uma escalada de violência
contra o governo colonial fortemente armado de Winston Churchill. Morreram 20
mil quenianos e 200 oficiais britânicos.
O termo Mau Mau, segundo
historiadores, é um anagrama para Uma Uma, que seria traduzido como “Fora,
Fora!” usado pelos Kikuyu, que queriam os britânicos fora de suas terras.
Durante o conflito, o Mau Mau era visto como um movimento “tribal” e “selvagem”,
até que décadas depois começaram vir à tona documentos, como os do arquivo
descoberto pelo The Times, com informações sobre o modo de vida e as
demandas dos Kikuyu.
O governo do Quênia reconhece, hoje, os membros do
Mau Mau como heróis e heroínas da independência. A celebração ocorre todo dia 20
de outubro, data marcada desde 2010 como Dia dos Heróis. Uma vitória dos
quenianos pode abrir as feridas do império britânico e motivar centenas de
outros processos de reparação por tortura e danos no período colonial.
Recentemente, parentes de mortos no massacre de Batang Kali, na Malásia, também
entraram na Justiça pedindo reparação.
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