Brasil tem 4ª maior população carcerária do mundo e deficit de 200 mil vagas
Atualizado em 29 de maio,
2012 - 06:03 (Brasília) 09:03 GMT
Com cerca de 500 mil presos, o Brasil tem a quarta maior
população carcerária do mundo e um sistema prisional superlotado. O deficit de
vagas (quase 200 mil) é um dos principais focos das críticas da ONU sobre
desrespeito a direitos humanos no país.
Ao ser submetido na semana passada pela Revisão Periódica Universal -
instrumento de fiscalização do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU -, o
Brasil recebeu como recomendação "melhorar as condições das prisões e enfrentar
o problema da superlotação".
Segundo a organização não-governamental Centro Internacional para Estudos
Prisionais (ICPS, na sigla em inglês), o Brasil só fica atrás em número de
presos para os Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhão) e Rússia (740
mil).
De acordo com os dados mais recentes do Depen (Departamento Penitenciário
Nacional), de 2010, o Brasil tem um número de presos 66% superior à sua
capacidade de abrigá-los (deficit de 198 mil).
"Pela lei brasileira, cada preso tem que ter no mínimo seis metros quadrados
de espaço (na unidade prisional). Encontramos situações em que cada um tinha só
70 cm quadrados", disse o deputado federal Domingos Dutra (PT-MA), que foi
relator da CPI do Sistema Carcerário, em 2008.
Falta de condições
Segundo ele, a superlotação é inconstitucional e causa torturas físicas e
psicológicas.
"No verão, faz um calor insuportável e no inverno, muito frio. Além disso,
imagine ter que fazer suas necessidades com os outros 49 pesos da cela
observando ou ter que dormir sobre o vaso sanitário".
De acordo com Dutra, durante a CPI, foram encontradas situações onde os
presos dormiam junto com porcos, no Mato Grosso do Sul, e em meio a esgoto e
ratos, no Rio Grande do Sul.
Segundo o defensor público Patrick Cacicedo, do Núcleo de Sistema Carcerário
da Defensoria de São Paulo, algumas unidades prisionais estão hoje funcionando
com o triplo de sua capacidade.
Em algumas delas, os presos têm de se revezar para dormir, pois não há espaço
na cela para que todos se deitem ao mesmo tempo.
"A superlotação provoca um quadro geral de escassez. Em São Paulo, por
exemplo, o que mais faz falta é atendimento médico, mas também há (denúncias de)
racionamento de produtos de higiene, roupas e remédios", disse à BBC Brasil.
Vigilância
Porém, abusos de direitos humanos não ocorrem somente devido ao déficit de
vagas.
Em todo país, há denúncias de agressões físicas e até tortura contra detentos
praticadas tanto por outros presos quanto por agentes penitenciários.
"No dia a dia, recebemos muitas denúncias de agressões físicas, mas é muito
difícil provar, pelo próprio ambiente (de isolamento). Quando a denúncia chega e
você vai apurar, as marcas (da agressão na vítima) já sumiram e não há
testemunhas", afirmou Cacicedo.
O número de mortes de detentos nos sistemas prisionais não é divulgado pelos
Estados, segundo o assessor jurídico da Pastoral Carcerária, José de Jesus
Filho.
"O sistema penitenciário é opaco, uma organização (não-governamental) já
tentou fazer esse levantamento, mas não conseguiu."
Segundo o deputado Dutra, o ambiente geral desfavorável aos direitos humanos
no sistema prisional do país foi o que possibilitou o surgimento de facções
criminosas.
Entre elas estão o Comando Vermelho e o Terceiro Comando, no Rio de Janeiro,
e o Primeiro Comando da Capital, em São Paulo, que hoje operam as ações do crime
organizado dentro e fora dos presídios.
Defensores
"Quando a denúncia chega e você vai apurar, as marcas (da agressão na vítima) já sumiram e não há testemunhas."
Patrick Cacicedo, do Núcleo de Sistema Carcerário da Defensoria de
São Paulo
Outra recomendação explícita feita pelo grupo de 78 países-membros durante a
sabatina na ONU foi a disponibilização permanente de defensores públicos em
todas as unidades prisionais do país.
Uma das funções deles seria acelerar a apuração de abusos de direitos humanos
contra presos.
Outros papeis seriam oferecer assistência jurídica para que os detentos não
fiquem encarcerados após acabar de cumprir suas penas ou tenham acesso mais
rápido ao sistema de progressão penitenciária (regime semiaberto ou liberdade
assistida) - o que ajudaria a reduzir a superlotação.
Mas o país ainda está longe dessa realidade. Só em São Paulo, um dos três
Estados com maior número de defensores, o atendimento a presos nas unidades
prisionais é feito por meio de visitas esporádicas.
De acordo com Cacicedo, apenas 29 das 300 comarcas do Estado têm defensoria.
Além disso, só 50 dos 500 defensores se dedicam ao atendimento dos presos.
O Estado, no entanto, possui 151 unidades prisionais da Secretaria de
Administração Penitenciária (sem contar as cadeias públicas subordinadas à
Secretaria de Segurança Pública.)
Soluções
Segundo Jesus Filho, os problemas não são resolvidos em parte devido ao
perfil da maioria dos detentos.
Um levantamento da Pastoral Carcerária mostra que a maior parte tem baixa
escolaridade, é formada por negros ou pardos, não possuía emprego formal e é
usuária de drogas.
Domingos Dutra diz que uma possível solução para reduzir a população
carcerária seria o emprego de detentos em obras públicas e estímulo para que
eles estudem durante a permanência na prisão.
A legislação já permite que a cada três dias de trabalho um dia seja reduzido
da pena total. Mas, segundo Dutra, nem todos os governos estaduais exploram essa
possibilidade.
Esta é a primeira de uma série de reportagens da
BBC Brasil sobre as deficiências do país na área de direitos humanos que serão
publicadas ao longo desta semana.
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