Rodas de bebês rejeitados ressurgem na Europa
Atualizado em 26 de junho,
2012 - 14:28 (Brasília) 17:28 GMT
Um sistema comum na Idade Média para abandonar filhos
indesejados ressurgiu com força na Europa nos últimos dez anos, mas com nova
roupagem.
Diferente das rodas de bebês rejeitados de outros séculos, o equipamento
moderno difere dos cilindros de madeira instalados em paredes de conventos ou
igrejas medievais.
Nos equipamentos antigos os bebês indesejados eram depositados pela parte de
fora e depois girados para dentro dos estabelecimentos.
Embora tenha a mesma finalidade, o novo sistema consiste em uma espécie de
berço aquecido, monitorado por enfermeiras e disposto em locais próximos a
hospitais com fácil acesso da população.
A prática, entretanto, continua sendo duramente criticada pela ONU, uma vez
que violaria os direitos das crianças.
Em Berlim, por exemplo, uma placa localizada ao final de uma rua de um bairro
tranquilo chama atenção de moradores e visitantes, apontando para um caminho
entre as árvores.
Na placa, lê-se a seguinte mensagem "Babywiege" (berço).
No final deste caminho, há uma escotilha de aço com uma alça. Dentro dela,
uma espécie de berço, com cobertores para acomodar o recém-nascido,
possivelmente indesejado pela família.
O local é seguro e a temperatura ideal para um bebê. Há também uma carta
deixada pelos responsáveis pela instalação do berço, caso o depositante se
arrependa de sua decisão e queira a criança de volta.
Duas vezes por ano, alguém - possivelmente uma mulher - percorre tal trajeto
até os fundos do Hospital Walfriede.
Para fontes ligadas ao tema, trata-se, normalmente, de um caminho sem volta.
A criança indesejada crescerá sem nunca conhecer a mãe.
O processo é anônimo, ou seja, não se conhece a identidade do depositante,
por mais que tal prática seja mais comum entre as mães.
Mas é justamente este argumento - o de confidencialidade - que é criticado
por quem condena a iniciativa.
Crítica
Críticos afirmam que a roda pode ser usada por pais inescrupulosos ou até
cafetões para pressionar as mães a abandonar seus bebês.
"Estudos na Hungria mostram que não são necessariamente as mães que depositam
seus filhos nessas caixas, mas, por outro lado, parentes, cafetões, padrastos e
até mesmo os pais biológicos", disse em entrevista à BBC Kevin Browne, da
Universidade de Nottingham.
"Como o processo é realizado no anonimato e não inclui qualquer
aconselhamento psicológico à mãe, cria um precedente perigoso tanto para a
mulher como para a criança", acrescentou.
Para o estudioso, ao facilitar o processo de abandono de um bebê, as mães
ficam menos suscetíveis a receber a ajuda necessária em uma situação de grande
trauma emocional e, até mesmo, de risco para sua saúde.
Não há consenso, contudo, sobre o argumento levantado por Browne. Partidários
da medida afirmam que estão oferecendo a mães desesperadas uma maneira segura de
abandonar filhos indesejados.
Recentemente, uma mãe alemã foi condenada por atirar seu filho recém-nascido
da janela do quinto andar de um edifício.
Crescimento
Situações como essa impulsionaram a prática da "roda" moderna na Europa
Central e Oriental, desde os países bálticos, passando por Alemanha, Áustria,
Polônia, Hungria, República Tcheca até a Romênia.
A lei de alguns desses países encoraja o sistema. Na Hungria, por exemplo, a
legislação foi alterada para permitir que a iniciativa fosse considerada legal,
nos mesmos padrões da adoção, enquanto que o abandono de um recém-nascido
continua sendo considerado crime.
Kevin Browne, da Universidade de Nothingham, acredita que a tendência de
crescimento é maior em países com passado comunista ou majoritariamente
católicos, onde o estigma da mãe solteira ainda é muito forte.
Caixas para o abandono de bebês por país
Alemanha - 99
Polônia - 45
República Tcheca - 44
Hungria - 26
Eslováquia - 16
Lituânia - 8
Itália - 8*
Bélgica - 1
Holanda - 1**
Suíça - 1
Vaticano - 1
Canadá - 1
Malásia - 1
*aproximadamente
**previsão
Fonte: Comitê dos Direitos das Crianças das Nações
Unidas
Para Gabriele Stangl, do Hospital Waldfriede em Berlim, que recebe dezenas de
recém-nascidos por ano, a prática moderna da "roda" salva vidas, e,
diferentemente do que pensa Browne, também aumenta os direitos das crianças.
Segundo ela, o sistema conta com todas as facilidades de uma maternidade
comum. Uma vez que o bebê é depositado no berço improvisado, um alarme soa e uma
equipe de médicos chega para checar o estado de saúde do recém-nascido.
A criança, então, é tratada no hospital e nutrida até ser encaminhada ao
sistema legal de adoção. Neste período inicial, as mães têm o direito de
buscarem de volta seus filhos caso se arrependam. Porém, uma vez feita a adoção,
não há mais recurso.
Arrependimento
Não são raros os casos das mães que decidem voltar atrás em sua decisão. Uma
delas contou à BBC que, como engravidou muito jovem e não tinha o apoio do pai
da criança, ficou em estado de choque após o nascimento e decidiu colocar o
filho na "roda". Ela, entretanto, se arrependeu uma semana depois.
Em uma única "roda" em Hamburgo, no norte da Alemanha, 42 bebês foram
abandonados na última década. Desse montante, 17 mães contataram os
organizadores e 14 buscaram de volta seus filhos.
"Em 1999, cinco bebês foram abandonados na cidade e três deles morreram",
disse Steffanie Wolpert, uma das fundadoras do sistema de Hamburgo. "Então, nós
pensamos em um jeito de contornar essa situação e permitir a sobrevivência
dessas crianças", acrescentou.
Mas os críticos, como o Comitê das Nações Unidas para os Direitos das
Crianças, não estão convencidos dos benefícios do sistema. Eles alegam que a
iniciativa é um retrocesso às práticas medievais.
Segundo Maria Herczog, uma psicóloga infantil que integra o comitê, uma
alternativa mais eficiente à "roda" moderna seria entender e ajudar as mães em
circunstâncias difíceis.
"Essa prática envia uma mensagem errada às mulheres de que têm o direito de
continuar escondendo a gravidez, dando a luz em circunstâncias pouco conhecidas
e abandonando seus bebês", disse Herczog.
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